28 fevereiro 2006

 

A tarefa agora
Roberto Mangabeira Unger
28/02/2006

Formular o problema é antecipar a natureza da solução: oferecer ao eleitorado alternativa, de proposta de rumo e de projeto de poder, sem cair no esquerdismo vazio ou no moralismo oco. Por que não temos, todos nós que atuamos nessa direção, conseguido até agora providenciar a solução necessária? É porque, depois que o regime militar destruiu um sistema partidário que começava a enraizar-se, nunca mais tivemos partidos políticos que representassem mais do que a si mesmos. O único era o PT, que se revelou um longo desvio em nossa história. Nossos partidos atuais raramente resistem ao curto-prazismo eleitoreiro dos políticos profissionais que os compõem. Muitos primam por confirmar a tese de que no Brasil nem os oportunistas têm senso de oportunidade.

Insistamos no conteúdo da alternativa produtivista, capacitadora e republicana. Busquemos aliados entre as organizações e os movimentos da sociedade. Defendamos a alternativa, sobretudo perante os jovens. Cobremo-la dos partidos e do futuro governo, sem rancor, sem preconceito e sem esmorecimento. Ousemos falar em nome da nação. Sejamos nós o partido que falta ao Brasil.

22 fevereiro 2006

 

Um confronto entre a Índia e o Brasil
J. Carlos de Assis
22/02/2006


O economista André Nassif, do BNDES, apresentou nesta quarta-feira, durante um seminário realizado pela Associação de Funcionários do banco (Afbndes), o estudo talvez mais abrangente e criterioso já escrito em português sobre o desempenho nas três últimas décadas da economia da Índia, comparando-o com a performance econômica brasileira. É de envergonhar. Partindo de bases econômicas muito menos promissoras, a Índia conseguiu manter desde os anos 80 um ritmo de crescimento vigoroso, nos deixando longe para trás.

Pelo que se deduz do criterioso texto de Nassif, quatro fatores principais explicam a melhor performance econômica indiana em relação ao Brasil. Primeiro, os indianos mantiveram, ao contrário de nós, uma prática sistemática de planejamento e de coordenação central de políticas públicas, tendo em vista o objetivo explícito de assegurar o crescimento e o emprego. Segundo, mantiveram uma política fiscal ativa, com déficits recorrentes, ao lado de uma política monetária de juros baixos, estimulantes da atividade produtiva. Finalmente, evitaram a farra internacional da circulação livre de capitais, enquanto nós embarcamos nela.

17 fevereiro 2006

 

A esquerda ideológica nas próximas eleições
J. Carlos de Assis
17/02/2006

Este, aliás, é o drama das esquerdas pelo mundo. Desde o fim da União Soviética e da peculiar opção chinesa pela linha “capitalismo para fora, socialismo para dentro”, as esquerdas, sobretudo no Ocidente, não conseguem se entender quanto ao projeto de sociedade que propõem. O modelo social democrata, responsável pelas mais elevadas conquistas da civilização ocidental em termos de bem estar social dos povos, em todos os tempos, é visto, à esquerda, como insuficiente, e, pela direita, como um excesso.

No Brasil isso se tornou ainda mais confuso pelo fato de os tucanos se apropriarem da legenda social democrata, não obstante terem um projeto neoliberal. Além disso, muitas correntes de esquerda não compreenderam que capitalismo não é sinônimo de liberalismo ou de neoliberalismo, e que é perfeitamente possível, como na Europa Ocidental, e em especial na Europa do Norte, fazer do capitalismo regulado pela democracia política o instrumento de um alto padrão de civilização e de cooperação humana para o bem comum.

16 fevereiro 2006

 


A conversão de Lula ao neoliberalismo
J. Carlos de Assis

16/02/2006

No esforço de trazer a esquerda para seu ponto de vista intelectual e filosófico, Fernando Henrique observa, segundo o resumo publicado em “ O Estado de S. Paulo ” : “ Eu também sabia que Lula era um símbolo. Se ele pudesse ser convencido dos méritos de um sistema capitalista moderno, então eu teria ganho a grande batalha ideológica. Entrementes, frustrava-me que ele, como boa parte do Brasil, se apegasse tão apaixonadamente ao passado."

A opção neoliberal a que Fernando Henrique levou o Brasil constitui uma violência contra a maioria do povo brasileiro. Foi um recuo ao século XIX e início do século XX, quando o capitalismo liberal dominava a cena, e a pobreza, a marginalização social e o desemprego eram vistos como uma determinação divina, dentro da melhor tradição do darwinismo social de Spencer. Evidentemente que Fernando Henrique não conseguiu fazer regredir o sistema social público brasileiro ao liberalismo puro (como os europeus e os próprios norte-americanos não têm conseguido), mas é notório que ele se esforçou para criar para o capital o clima mais amigável possível, à custa de direitos sociais consagrados.

 

Bancos do país cobram maior juro do planeta
Folha de São Paulo
16/02/2006

Em nenhum lugar do mundo um empréstimo custa tão caro como no Brasil.

A lista foi feita com base nos juros praticados em cada país no segundo trimestre de 2005, já descontada a inflação acumulada nos 12 meses anteriores. Por esse método, chegou-se à taxa real cobrada pelos bancos -44,7% ao ano, no caso brasileiro.

No topo da lista, o Brasil tem a companhia de vários países africanos, como Angola (onde a taxa real média é de 43,7% ao ano), Gâmbia (juros reais de 31,8% ao ano), Gabão (18,2% ao ano) e Moçambique (14,7%). Entre os dez países cujos empréstimos são mais caros, seis são africanos.

Pelos dados do FMI, até o Haiti possui uma taxa menor do que a brasileira: 13,1% ao ano.

15 fevereiro 2006

 

A eleição da incerteza
Léo Lince
11/02/2006

O momento eleitoral é como um relâmpago de luz fugaz e forte. Além das pedras do caminho, ele pode mostrar o caminho das pedras. Para quem sabe ver, muita coisa está acontecendo abaixo da linha da superfície. A cidadania, desencantada e desencarnada, não está morta e seu espírito pode agitar a superfície das águas. Neste caso, os espaços se abrirão para a emergência de surpresas. Aliás, é o que demanda e propicia a eleição da incerteza.

 

Concepções e riscos do fim da cobertura cambial
João Sicsú
13/02/2006

O fim da cobertura cambial será uma medida instabilizadora do câmbio, já que a venda de dólares no País resultante do fluxo comercial que é uma variável bastante previsível e estável tornar-se-á um fluxo movido por cálculos especulativos. Exportadores terão que se especializar na atividade especulativa de cálculo do momento ótimo para venda de dólares. Em momentos críticos, empresários exportadores poderão adiar a venda, esperando uma maior desvalorização da taxa de câmbio; ou diante de uma valorização, poderão acentuar a tendência na expectativa que a situação poderá ser pior ainda para a venda no futuro.

14 fevereiro 2006

 

"Doença holandesa" e desindustrialização
Luís Nassif
14/02/2006

O câmbio deveria refletir a produtividade interna do país. À medida que a indústria vai ganhando competitividade, que a inovação começa a dar resultados, aumenta o valor agregado dos produtos, da exportação, do saldo comercial e ocorre uma apreciação da moeda, ajudando a repor o equilíbrio comercial.

Desde o século 19, a Inglaterra já ensinava que o desenvolvimento de um país dependia de sua capacidade de importar matérias-primas e exportar produtos manufaturados, produtos com valor agregado. Dependia, também, da capacidade do país de desenvolver -paralelamente a uma estratégia exportadora- um mercado interno forte, condição essencial para que suas empresas, depois de conquistada a maioridade, não se mudassem para ambientes mais propícios. E não se vai desenvolver um mercado interno e uma economia competitiva com um dólar que só viabiliza a exportação de produtos primários ou dependentes de recursos naturais.

 

A obra do próximo presidente
Roberto Mangabeira Unger
14/02/2006

Esses meses aparentemente frustrantes e perdidos revelaram duas verdades preciosas. A primeira verdade é que já há base para amplo consenso em torno da obra que o futuro presidente precisa executar. Dele se exige que lidere mudança de rumo, de conteúdo definido, que nos resgate de uma mediocridade duradoura, ruinosa e desnecessária. A segunda verdade é que o descompasso entre partidos políticos e compromissos programáticos chegou a tal ponto que se tornou impossível distinguir quem possa ou deva ser o agente da mudança indispensável. Pode ser qualquer um, ou ninguém, qualquer partido ou nenhum, independentemente dos rótulos que hoje ostentam.

Quem pode torná-lo realidade? Qualquer um, desde que tenha suficientes clareza e coragem. Maioria esmagadora de brasileiros o apoiaria. Dizer, porém, que pode ser qualquer um é a mesma coisa que dizer que nenhum dos visíveis é hoje o agente natural e inconteste dessa reorientação do caminho brasileiro. Precisamos de partido, sim. Dentro da anarquia programática e partidária a que chegamos, contudo, os instrumentos partidários dessa obra terão de ser a conseqüência, não a condição, da luta pela mudança de rumo. É um convite à mais absoluta falta de preconceito e à mais inquebrantável determinação.

13 fevereiro 2006

 

Empatia
João Sayad
13/02/2006

Quando o Banco Central aumenta os juros, causa dois efeitos que podem ser inflacionários: aumenta a liquidez e distribui mais renda na forma de juros para o setor privado.
O aumento dos juros tem efeitos colaterais: sobrevaloriza o câmbio ou impede que o Banco Central atue no mercado cambial. A inflação cai porque a demanda se reduziu ou porque o dólar ficou mais barato?
Levado ao pé da letra, o regime é instável: quando aumenta os juros para combater a inflação desequilibra o balanço de pagamentos. Quando equilibra o balanço de pagamentos, causa inflação.

 

O efeito recessivo da liberalização cambial
J. Carlos de Assis
12/02/2006

Vou-me ater, por enquanto, ao fim da obrigatoriedade da conversão ao real dos dólares oriundos de exportações de bens e serviços, vinculada à autorização para exportadores manterem contas em dólares no Brasil e no exterior.

A receita de exportação, quando convertida em moeda interna, é um elemento positivo de expansão monetária, sobretudo numa situação de alto desemprego. Caso o lucro de exportação seja retido no exterior, teremos, inelutavelmente, um efeito contracionista na economia.

O lucro do exportador que ficar retido no exterior só servirá à especulação financeira internacional. Dificilmente voltará ao circuito produtivo interno, sobretudo em razão do ritmo lento de expansão da demanda efetiva e do alto desemprego e subemprego.

Agora não teremos apenas política fiscal e monetária contracionista, mas também política cambial contracionista.

10 fevereiro 2006

 

Alianças e federação
Mauro Santayana
10/02/2006

Desde a proclamação, a República tem hesitado em assumir sua plena natureza. Entende-se que, nos primeiros decênios, ela se tenha sentido constrangida. Seus dirigentes eram, em sua maior parte, próceres do antigo regime. Monarquistas convictos, entre outros, foram Deodoro da Fonseca, Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco. O militar aceitara fundar a República pela conjuntura política do momento, a que se juntavam motivos muito pessoais, conforme relatam os historiadores. Ele se opunha ao Visconde de Ouro Preto e não aceitava a substituição do primeiro-ministro pelo gaúcho Gaspar da Silveira Martins. Nabuco e Ruy, conforme declararam várias vezes, só se fizeram republicanos porque eram federalistas. Inspirados na experiência norte-americana, entenderam que a centralização do poder era entrave ao desenvolvimento social e econômico de um país como o Brasil. Seu bom senso indicava que a autonomia política regional é indispensável para assegurar a liberdade de pensar, planejar e construir, em benefício do todo nacional. Mais: a idéia de federação, no Brasil, era muito anterior à Independência, e esteve presente nos primeiros debates da Assembléia Constituinte de 1823.

Ao longo de mais de um século, as forças centralizadoras têm aceitado o sistema republicano, mas não o princípio federativo. O excessivo poder do presidente da República, que elas controlam mediante a influência das corporações privadas, é-lhes indispensável para manter a hegemonia sobre o território nacional. Dominando, desde São Paulo, as forças econômicas, preferem que o poder se resuma aos gabinetes de Brasília. Nessa associação decidem o que lhes interessa, nesse ou naquele estado. A situação tem sido agravada desde o governo militar. Os governos que o sucederam deixaram-se seduzir pelo excessivo poder herdado, e continuaram mantendo os estados sob o jugo da concentração tributária. O governo Fernando Henrique, ao combinar o arrocho fiscal com a centralização federal da dívida pública das unidades federadas, e a privatização dos bancos estaduais, acabou, praticamente, com a federação, isso sem falar em dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, ditados por Washington.

 

Uma lei cambial antiindustrial
Luís Nassif
10/02/2006

O projeto apresentado pela Fiesp traz riscos claros ao país e desdobramentos que ainda não foram devidamente avaliados, talvez devido à euforia atual, provocada pelo excesso de dólares na economia.


Se a Câmara deixar passar esse projeto, o Brasil sairá definitivamente do grupo de países com projeto nacional, para se tornar um país-mercado, como a Suíça, a Holanda, Cingapura e Hong Kong, com uma estrutura econômica totalmente diversa de um país continental, adverte um especialista em história de regimes cambiais. A Fiesp está agindo em cima de uma realidade circunstancial, mas será a primeira a pedir o socorro do Estado quando faltarem dólares, como fez em toda a sua história.

Seria a financeirização final da economia de um país complexo, o fim de um modelo que permitiu, ao longo das últimas cinco décadas, a própria criação do atual parque industrial brasileiro. Aprovada essa nova lei, como definiu o especialista, na primeira classe ficarão os que exportam ou têm acesso a recursos no exterior, pois poderão manter contas em moeda estrangeira e estarão isentos, cobertos e isolados dos problemas internos do País, políticos, econômicos e sociais.

Na segunda classe, a rapa.


 

Por que reduzir os juros
Luiz Carlos Mendonça de Barros
10/02/2006

Ninguém mais discute que nossos juros são elevados demais e que esse aleijão, herdado do passado, acaba por inibir nosso crescimento econômico. Nunca isso ficou tão claro como em 2005, quando ficamos para trás mesmo em relação às economias maduras como a americana e a japonesa. Se a comparação for feita com outros países emergentes, nossa derrota é então ainda mais clara.

O gráfico resultante tem apenas um ponto muito fora da curva: o Brasil. A empresa fez uma anotação no lugar de nossa posição: "good buy". Em outras palavras, aproveitem essa oportunidade de ganhar dinheiro.


Não é por outra razão que o real não pára de se valorizar, apesar da intervenção febril do Banco Central. O mundo financeiro está aproveitando esse conselho em cima do contribuinte brasileiro. E todos sabem o fim dessa história: mais dia, menos dia, o BC vai parar ou diminuir sua intervenção e o real vai valer menos do que R$ 2 por dólar, gerando um enorme ganho de capital.

09 fevereiro 2006

 



Mar turbulento
Mauro Santayana
09/02/2006

Os tucanos, que se jactam de ter os melhores quadros políticos do país, descobrem que só dispõem de um deles em condições de confrontar-se com Lula: o prefeito José Serra. E como recorremos ao mais genial dos escritores políticos, Shakespeare, podemos sair do enterro de César em Roma e ir à Dinamarca, para ilustrar o que parece ser (e pode não ser) a indecisão de Serra.

Hamlet, na citação que se tornou lugar-comum, entre as dúvidas que o assaltam, depois da indagação sobre ser e não ser, pergunta se é mais nobre, em sua consciência, sofrer o ataque da funda e das setas de uma sorte ultrajosa, or to take arms against a sea of troubles, and by opposing end them?

É mesmo provável que o povo tenha a nostalgia dos reis, e, havendo reeleição, prefira o mal conhecido ao bem duvidoso. Desta forma, a menos que o prefeito de São Paulo ouse saltar o círculo de giz dos compromissos de seu partido com a postura neoliberal, e se apresentar, ao mesmo tempo contra Lula e contra a doutrina econômica da genuflexão, ainda em vigor, suas chances de vitória serão escassas.

 

Carga tributária em favor dos mais ricos
J. Carlos de Assis
08/02/2006

Fala-se muito em reforma tributária, mas duvido que seus proponentes tenham uma idéia precisa e completa de suas complexidades. Os empresários certamente imaginam uma reforma que alivie a carga tributária das empresas, sem considerar que o IR sobre pessoa jurídica, por exemplo, no montante de R$ 113,3 bilhões nos últimos três anos, ficou muito abaixo do IR na fonte, num total de R$ 155 bilhões. Já o IR sobre pessoa física, que nos três anos acumulou R$ 17,3 bilhões, representou apenas 0,33% do PIB.

 

Bancos em nova temporada de recordes
Informe Econômico - Jornal do Brasil
09/2/2006

A temporada de divulgação de resultados do setor bancário em 2005 se inicia na próxima semana, com o balanço do Unibanco, previsto para o dia 16. A estrela, porém, será o Bradesco, cujo lucro deverá superar o Itaú pela primeira vez em quatro anos, na previsão da Austin Rating. Para a classificadora de risco, o maior banco privado em ativos do país elevará seu resultado anual de R$ 3,02 bilhões em 2005 para inacreditáveis R$ 5,5 bilhões, alta de 83% em relação aos R$ 3,02 bi amealhados em 2004, quando já tinha crescido 32%. Logo atrás, mas não tão distante, o Itaú elevará seu resultado a R$ 5,2 bi, alta de 36%.


08 fevereiro 2006

 


O alto comando da banca
Elio Gaspari
08/02/2006

Houve uma época em que o Brasil esteve sob a supervisão do alto comando do Exército. Finada a velha praga, apareceu uma nova, semelhante. É o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Como ocorria no alto comando da ditadura, alguns de seus membros extrapolam suas atribuições e ofendem os poderes da República.


O Copom foi criado em 1996, num ato da burocracia interna do Banco Central. Atribuiu-se a tarefa de estabelecer uma taxa para os juros. Essa é uma prerrogativa do Poder Executivo, não de oito profissionais do segundo escalão, dois dos quais, ex-diretores de bancos privados. Deles pode partir uma recomendação, nada mais. A cada três meses, os generais do alto comando preparam uma lista de promoções e ela vai ao presidente da República. Ele a respeita (tem sido assim nos últimos 42 anos), mas não está obrigado a isso.

O governo do "nosso guia" tem duas taxas de juros: a Selic do BC (17,25%) para a freguesia da banca e a TJLP (9%) para a clientela do BNDES. A turma da Selic diz que a taxa da TJLP é coisa de maluco. A da TJLP diz o contrário. Nenhuma das duas turmas denuncia pública e sistematicamente que coisa de maluco é um governo com taxas tão divergentes.

Os generais do alto comando diziam que defendiam a estabilidade política do regime. Amparavam-se num aparelho repressivo cujo núcleo fora financiado pela banca. Os doutores do Copom dizem que defendem a estabilidade da moeda, sempre com o apoio da banca. (Registro devido: o pessoal do BC atua no Estado democrático de Direito, enquanto os generais do alto comando do Exército condecoravam e acobertavam torturadores e assassinos.)


 

A eugenia do câmbio
Luis Nassif
08/02/2006

Em julho de 1994, quando ocorreu a apreciação de 15% no real, da noite para o dia, os economistas do governo sustentavam que a abertura para as importações traria o câmbio de volta para o equilíbrio.

Numa típica forçada de barra cabeça de planilha, derrubaram as tarifas de importação, permitiram até importações pelos Correios. A idéia não era a de que o crescimento das importações fosse resultado de um novo equilíbrio, proveniente do crescimento econômico, mas de uma operação a fórceps, que alterou radicalmente o ponto de equilíbrio anterior da economia.

O único resultado foi o morticínio das empresas domésticas, um enorme déficit comercial sem que o real se desvalorizasse.

Agora, confiram-se de novo todas as declarações de Gustavo Franco, Edmar Bacha e companhia: a saída contra a "doença holandesa" é a abertura indiscriminada às importações. O que os gênios propõem? Escancarar novamente o país às importações, para reduzir o superávit comercial e permitir alguma depreciação do real. É evidente que, ao sugerir essa medida, idêntica à que foi apresentada como tábua de salvação em 1994, o que se tem em mente não é o reequilíbrio do câmbio.

Para que se quer um câmbio mais competitivo? Para impedir a devastação do parque manufatureiro brasileiro, e não meramente para reduzir o superávit comercial. Redução de superávit comercial é meio; preservação do parque industrial brasileiro é fim.Agora, no ponto menos competitivo do câmbio, a proposta é abrir as comportas e permitir a invasão de importados. Conseqüência: resolve-se a questão dos meios (reduzindo o superávit comercial) à custa do fim (arrasando o parque manufatureiro brasileiro).


07 fevereiro 2006

 

O investimento externo e a poupança
Luis Nassif
07/02/2006


Há poupança interna suficiente para financiar o desenvolvimento. Neste mês mesmo, o Tesouro começará a troca de LFTs (pós fixadas) por LTNs (prefixadas). Em breve, os prazos se esticarão e se acabará com essa jabuticaba brasileira, de um investimento sem risco, com liquidez total e rentabilidade absurda -os títulos públicos.

É hora de começar a pensar nesse novo mundo que vem por aí. Com a redução das taxas de juros e a mudança de pós para pré dos títulos, com a ampliação dos prazos, poderá haver uma mera troca de ativos, ou se poderá canalizar esse dinheiro para a produção.

Provavelmente, não na fórmula "bife a cavalo" proposta ontem pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci -em que os contribuintes entram com a carne, e o BC com o ovo da política monetária.


 

“a República precisa ser repensada”
Roberto Romano
06/02/2006

O Estado brasileiro foi criado de uma maneira conservadora, contra a revolução francesa e contra a revolução norte-americana. Foi criado para impedir que uma revolução acontecesse, e se montou uma estrutura que contava com um Poder Moderador. Na proposta inicial do Benjamim Constant, que era um liberal francês, ele apenas coordenaria os três poderes; aqui, no entanto, ele foi colocado acima dos outros poderes, o que fez com que o Império brasileiro fosse um dos mais autoritários de seu período. Quando foi criada a República, ao invés de se abolir o Poder Moderador, este foi incorporado à presidência. O presidente é um imperador por quatro anos, e daí vem a fonte das crises de todos os governos: com poderes ilimitados, os presidentes nomeiam os ministros do STF, os procuradores da República, os procuradores gerais. As eleições são sempre plebiscitos imperiais: o presidente sobe com o nariz empinado – pelo menos desde Jânio Quadros é assim – e, muitas vezes, sai morto ou deposto, ou renuncia frente a uma crise tremenda. Essa República imperial precisa ser repensada

 

“a República precisa ser repensada”
Roberto Romano
06/02/2006

Se o governo tiver bom senso – o que é difícil de se prognosticar quando falamos do governo Lula –, uma parte desse superávit primário será destinada, em primeiro lugar, para a ciência e tecnologia. Quando tomou posse, Lula prometeu que, ao final de seu primeiro mandato, 4% do PIB (Produto Interno Bruto) seriam destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Por enquanto, não houve interesse do governo nesse tipo de aplicação – o que é um equívoco criminoso em relação ao futuro do Brasil. Os Estados Unidos da América dominam o mercado com tecnologia de ponta; a União Européia tem em vista esse fator para a criação de um antagonismo em relação aos EUA; a China, o Japão e os tigres asiáticos também aplicam pesadamente em educação e em ciência e tecnologia para se tornarem competitivos. O que se vê no Brasil é o pagamento de juros com o superávit primário.

Daqui a alguns anos, seremos pura e simplesmente consumidores de produtos do exterior e, além disso, inadimplentes novamente.

 

Como dar a volta por cima
Roberto Mangabeira Unger
07/02/2006

O Brasil pode passar, rapidamente, da popa para a proa das estratégias contemporâneas de desenvolvimento. Em pouco tempo, sabendo usar os meios singulares de que dispõe, pode iniciar crescimento quantitativamente comparável e qualitativamente superior ao da Índia e da China. Pode dar a volta por cima. Basta que tome as iniciativas certas em cinco áreas decisivas.

A primeira área é a do juro e do câmbio.
A segunda área é a da estrutura energética.
A terceira área é a difusão de práticas econômicas vanguardistas em grandes setores da economia brasileira.
A quarta área é a da qualificação do ensino público
A quinta área é a da do conserto da política.

Essas iniciativas são factíveis com os meios à mão. Colocarão o Brasil na vanguarda do desenvolvimento atual da humanidade.

06 fevereiro 2006

 

Questão basilar
Jayme Magrassi de Sá
06/02/2006

No momento atual, uma fórmula mais ou menos de encomenda apontou a indicação, questionável, de o limite de crescimento do PIB sem pressões inflacionárias é de 3,5%. Além das limitações inatas da econometria para consubstanciar fenômenos, do tipo, o potencial é fruto de condições reinantes numa dada quadra ou num momento, sujeito, portanto, a alterações por força do grau de racionalidade na ação econômica, dos ganhos de produtividade do total de fatores e das oportunidades do mundo empresarial somadas a capacitações operacionais específicas da força do trabalho. Tomar como referência os 3,5% da econometria é quase o mesmo que marcar a febre com termômetro codificado.

Em matéria de PIB potencial o IBGE bem que poderia armar-se para essa inquisição. Tem foros para tanto. Quanto à curva dos juros é de indagar se o BC estaria preparado e sobretudo disposto a devassar a questão. Será?

Mas quanto a disputa entre Tesouro e BC versando a sanidade da política monetária, não será a pífia nota do ministro da Fazenda que esgotará o assunto. Se o ministro não se interessa pelo deslinde da questão e, à sorrelfa, se omite via pito funcional, bem, isso é caso para a Presidência da República, embora a sociedade certamente não deseje um Ministério da Fazenda só para pitos ou para encontrar formas de jogar lixo para baixo do tapete.

 

Lula e tucanos, ricos e pobres
Vinicius Torres Freire
06/02/2006

Lula faz propaganda maciça na TV, certo. Mas o eleitor, o pobre, inclusive, não é tábula rasa que engula sem mais o marketing. Algo do que Lula faz ou diz o interessa, como revela a crescente polarização social do voto. Isso não quer dizer que o voto brasileiro tenda a ser cada vez mais "classista". Mas indica que a polêmica político-social brasileira mudou e que a desigualdade ocupa cada vez mais o centro do debate.

03 fevereiro 2006

 

A disfuncionalidade da moeda financeira
J. Carlos de Assis

03/02/2006

O caso brasileiro é uma aberração. A taxa com que o Banco Central remunera dinheiro corrente dos bancos é superior à taxa que os poupadores recebem por dinheiro indisponibilizado por um mês (poupança) ou mais (CDBs). De uma forma ainda mais extravagante, é a taxa do mercado de dinheiro que remunera os títulos de prazo longo do Banco Central.

Isso faria algum sentido para o senso comum se a remuneração no over fosse mais baixa que a remuneração nos títulos a prazo. Como acontece o inverso, trata-se de uma aberração brasileira contra o interesse público, de claro favorecimento exclusivamente aos especuladores financeiros. O intrigante é que tivemos, nas últimas décadas, uma sucessão de gênios financeiros na Diretoria do Banco Central e todos fingiram que essa aberração não existia.


 

De onde nada se espera
Luís Nassif

03/02/2006

De onde nada se espera é de onde nada vem. É o caso do Banco Central. Tem-se um quadro claramente de excesso de dólares, a chamada "doença holandesa"-que se manifestou quando a Holanda se converteu em grande exportadora de petróleo. A explosão da exportação de um produto primário provocou enorme superávit comercial, excesso de entrada de dólares, apreciando a moeda nacional e exterminando parte da estrutura industrial interna.

Lá fora, o Tesouro mostra ser possível colocar títulos soberanos a 13% ao ano, em taxas prefixadas. Aqui, fica-se em uma taxa Selic de 17,25% ao ano, atraindo capital de arbitragem e forçando ainda mais a apreciação do real.

Do ponto de vista de política monetária, a emissão externa é mais deletéria. Aumenta-se a taxa Selic para se reduzir a demanda por crédito. Como as captações internacionais não são afetadas pela taxa Selic, e vêm sofrendo reduções continuadas devido à queda do risco Brasil, quando maior a taxa Selic, maior o estímulo à captação de dólares -inclusive para operações de arbitragem. Mais: ao internalizar os dólares, o investidor derruba ainda mais sua cotação, ou obriga o BC a emitir reais e adquirir reservas, com custos fiscais expressivos. Como é que fica, professores Pérsio e Bacha?

 

Uma encruzilhada para o Brasil
Luiz Carlos Mendonça de Barros
03/02/2006

O que me preocupa é que as discussões estão se polarizando de forma equivocada. De um lado, no corte mais liberal de nossos economistas, a reação pode ser resumida em uma expressão em inglês: "Who cares?". Em português, a melhor tradução que encontro é "e daí?". Segundo eles, não tem importância nenhuma o Brasil não ter indústria ou muitos setores de prestação de serviços, na medida em que a exportação de commodities seria a vocação racional do país, a nossa vantagem comparativa, como se essa fosse uma decisão imutável da Divina Providência, esquecendo os milagres que o desenvolvimento tecnológico pode criar.

Nos setores mais à esquerda, a resposta a essa ameaça é o tradicional voluntarismo da intervenção pura e simples do governo via compra maciça dos dólares que sobram no mercado. Sem apresentar referência a uma estratégia integrada de política econômica, usam superficialmente como exemplo a China e os outros tigres asiáticos, que vêm fazendo isso há anos para evitar a valorização de suas moedas e a conseqüente perda de competitividade de seu setor produtivo.

Por isso gostaria de provocar uma discussão mais aberta sobre essa questão. Em relação à turma do "Who cares?", é bom que expliquem e defendam publicamente a perda de milhões de empregos em nome das chamadas vantagens comparativas da teoria econômica clássica. E, quanto aos que pregam apenas o ativismo cambial, que respondam sobre como lidar com os problemas internos criados pela compra de algumas dezenas de bilhões de dólares todos os anos em um sistema financeiro como o nosso.

02 fevereiro 2006

 

Cinco anos em cinqüenta
Paulo Nogueira Batista Jr.
02/02/2006

No tempo de JK, os economistas não tinham o prestígio e o poder que viriam a adquirir depois. O Brasil nem tinha Banco Central! JK escutava os seus economistas, mas não se deixava dominar por suas preocupações senis com o equilíbrio e a estabilidade. Ele tinha a noção intuitiva de que desenvolvimento econômico não se faz sem desequilíbrios e instabilidade. Em outras palavras, ele sabia que o lema positivista, inscrito pelos republicanos na bandeira nacional, é intrinsecamente contraditório: não há progresso sem desordem.

Juscelino deixou a Presidência da República em 1961. Desde então, nunca mais conseguimos conciliar desenvolvimento com democracia. Foi desgraça atrás de desgraça. Atravessamos uma grave crise política e econômica nos anos 60. Tivemos 20 anos de ditadura militar. No início dos anos 80, a economia entrou em uma longa fase de semi-estagnação da qual ainda não conseguimos sair. A safra de presidentes civis foi pobre.
Quase se poderia dizer: depois de JK, foram 5 anos em 50!

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