04 março 2006

De como o over dá vida fácil aos bancos
J.Carlos de Assis
03/03/2006
Banqueiros são pessoas que vivem em permanente stress em face do dinheiro que entra e que sai de seus caixas. Uma pessoa de coração mole pode até achar que isso é justificativa suficiente para que ganhem mais dinheiro que os demais capitalistas, mas nós somos pessoas objetivas e não vamos exagerar. No fim de um dinheiro de trabalho, o banqueiro faz o balanço de entradas (depósitos) e saídas (pagamentos), e se vê com dinheiro sobrando ou com falta dele.
Alguém pode pensar que a situação na qual, no fim de um dia, o banqueiro se vê com dinheiro sobrando é relaxante. Ledo engano. Dinheiro sem aplicação imediata arde nas mãos do banqueiro. Aquele dinheiro tem um custo, mesmo quando se trata de depósito à vista não remunerado. Se o banqueiro o deixar parado, mesmo que seja por um dia, arrisca-se a ter prejuízo. Na outra ponta, algum banqueiro pode ter dinheiro de menos, isto é, ficou devedor no fim do dia. Ali é a falta de dinheiro que queima nas mãos.
Ambos vão ao mercado interbancário. É o mercado em que os bancos que têm sobra de caixa a emprestam por um dia (overnight) para os que têm falta dela. Numa primeira instância, essa operação dispensa a intermediação do Banco Central. Fica entre os próprios bancos privados. É em segunda instância, quando os bancos privados não conseguem zerar as posições, ficando ilíquidos ou supra-líquidos, que ele entra com as chamadas operações de financiamento do mercado, tendo por base a taxa Selic.
É necessário explicar por que bancos têm acesso a uma remuneração pelo Governo de seus saldos de caixa, enquanto famílias e outras empresas não têm. A razão constitui a própria essência da política monetária: como dinheiro em excesso queima na mão do banqueiro, sua tendência seria de emprestá-lo de qualquer jeito, a qualquer taxa, para não ficar com ele parado. Na prática, isso seria muito difícil. Para emprestar ao público, o banqueiro tem que montar cadastro do cliente, examinar risco, verificar a concorrência.
Evidentemente que isso é impraticável de um dia para outro. Por outro lado, o próprio BC pode querer baixar a disponibilidade de crédito no sistema por causa da inflação. Para isso, toma emprestado, pagando a taxa básica de juros (Selic), o dinheiro que os bancos têm sobrando de um dia para outro. Paralelamente, empresta a uma taxa ligeiramente maior aos outros bancos que têm insuficiência de recursos. Tudo isso é lastreado em títulos públicos liquidáveis à vista – ou seja, os bancos simulam compras e vendas de títulos públicos nas operações com o BC.
Isto é o over. Sua função na economia, tecnicamente, é para regular a disponibilidade de recursos bancários para empréstimos. No Brasil, porém, ele se transformou num monstrengo, na medida em que a taxa básica do BC remunera praticamente toda a dívida pública, e os títulos públicos, qualquer que seja seu prazo nominal de maturação, têm liquidez diária garantida pelo governo. Além disso, por ser alta demais, a taxa básica por um dia é mais elevada que as taxas de juros de médio e longo prazo, num total contra-senso. Isso ninguém é capaz de explicar. Ou talvez não interessa ao sistema ser entendido!?