05 maio 2006

César Benjamin
“Caminhos da transformação (uma abordagem teórica)”
Marx concluiu que o capital procuraria ampliar suas possibilidades de acumulação na forma D – D’, na qual ele nunca deixa de existir como riqueza abstrata. E anteviu, com grande ousadia: quando essa forma se tornasse predominante, a civilização do capital entraria em crise. Pois, ao repudiar as “coisas”, o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, a acumulação de capital não poderia mais ser o eixo em torno do qual a vida social se organiza. A forma-mercadoria – que, levada às últimas conseqüências pelo capitalismo, havia reorganizado profundamente as sociedades humanas e impulsionado o desenvolvimento da técnica – teria então de ser superada ou, pelo menos, remetida novamente a um lugar secundário, cedendo a vez a algum outro princípio de organização da vida social.
O fim do capitalismo, assim concebido, não decorre do aumento nos níveis absolutos de exploração do trabalho. É de uma crise civilizatória muito mais ampla que agora estamos tratando. Marx não precisaria estudar tanto, nem ter grande talento, para anunciar a superação de um sistema que, a partir de certo ponto, não pudesse mais funcionar ou causasse o empobrecimento permanente dos trabalhadores. Nesse caso, o desenlace seria óbvio. O gênio de Marx foi ter percebido que o capitalismo se esgotaria, mesmo dando certo. Ou melhor: se esgotaria justamente por dar certo, por desenvolver plenamente suas potencialidades.
O capitalismo venceu. Estamos, finalmente, em um sistema-mundo em que tudo é mercadoria, em que se produz loucamente para se consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir mais loucamente. Produz-se por dinheiro, especula-se por dinheiro, faz-se guerra por dinheiro, mata-se por dinheiro, corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro, só se pensa em dinheiro. Cultua-se o dinheiro, o verdadeiro deus da nossa época – um deus indiferente aos homens, inimigo da arte, da cultura, da solidariedade, da ética, da vida do espírito, do amor. Um deus que se tornou imensamente mediocrizante e destrutivo. E que é insaciável: como vimos, a acumulação de riqueza abstrata é, por definição, um processo sem limites.
O capitalismo venceu. Talvez, agora, possa perder. Pois, antes que o novo possa surgir, Hegel dizia, é preciso que o antigo atinja a sua forma mais plena, que é também a mais simples e mais essencial, abandonando as mediações de que necessitou para desenvolver-se. O momento do auge de um sistema, quando suas potencialidades desabrocham plenamente, é o momento que antecede seu esgotamento e sua superação.